O oposto do Kitsch

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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O retrato dos homens com os felinos


Alguns invisíveis das interações entre humanos podem ser isolados. E aqui só serão isolados com o objetivo de permanecerem obscuros e deixarem remanescer a sua beleza - o que há de mais importante na vida, volto a dizer, e só o que permanece de fato. Esse isolamento, que é de uma ciência escassa mas já muito válida, pinta retratos da existência por meio de técnicas como o tenebrismo: o confronto entre pontos de luz e as partes das trevas.

Um dos invisíveis mais interessantes que oferecemos esclarecer é o da bioquímica do instante em que o olhar da mãe burguesa cruza com o do filho gay. Esse dia muito estranho e muito recente na história dos homens guarda uma química tão complexa, que não se pode ainda catalogá-lo enquanto sublime, melancólico ou naturalista. Mas existe uma recorrência que contarei, e que só se torna possível perceber quando estamos sob o efeito de pelos de gato enganchados no nariz ou pelo menos o seu cheiro impregnando o ambiente. Então, vale esclarecer de antemão, não irá perceber essa biologia qualquer pessoa que não tenha um felino por perto.

O valor de "oráculo" dos gatos e todo esse universo de superstições que os rodeia faz sentido dentro de um quadro estrutural científico, mas isso é assunto para outro post. O que importa dizer é que, se um filho resolve dizer para a mãe que é gay e não houver uma atmosfera felina (ou gatuna) por perto, provavelmente aqueles em torno não observarão que nesse exato momento algumas estruturas corporais são automaticamente liberadas, com mais ou menos potência.

Elas serão uma glândula pineal secreta que interliga o pênis ao ânus e que somente os homossexuais masculinos possuem e uma estrutura azulada no lóbulo frontal, que tornará o seu sensor estético mais sensível que o de outros homens. Enquanto isso, nesse cenário muito específico, em que se juntam um gato, uma mãe burguesa (e não de qualquer outra classe social) e um filho homossexual ligeiramente afeminado, andrógino ou mesmo quasi-travesti (isso importa dizer), a mãe dilatará sua pupila para sempre, para um diâmetro-a-mais quase imperceptível e desenvolverá um estrutura cerebral que pode se localizar no lóbulo frontal ou no lóbulo occiptal. No caso do primeiro, sua tendência será sempre para a ratificação da conjunção simbiótica com o filho e uma identificação entre os dois insuperável. Mas no caso da mutação da segunda estrutura - e este é quase um segredo mortal - a mãe desenvolverá um sentimento ambíguo de auto-flagelação e amor que ela poderá disfarçar, mas que provavelmente será a causa de sua morte. O que mais uma vez só se poderá perceber se houver um felino na casa.

E nessa estranha paisagem, em que o gato é apenas uma ferramenta, uma umidade tomará conta do ambiente por quase um dia inteiro, e aquele estranho mal estar, que é sublime por guardar uma implacável ânsia pela potência e pela liberdade sem fim, e que é melancólico por reestabelecer uma despedida dentro do lar que era "estável", e que é ainda naturalista, lá no ínfimo, porque a "criança" despertará espaços do corpo para novos prazeres numa expectativa turva e esquisita, uma forma de beleza tão nova quanto provavelmente desagradável terá demarcado seu território.

Agora há um mundo adiante e todo homem é adolescente.

"if we're going to die anyway, I'd rather die fighting"