O oposto do Kitsch

O oposto do Kitsch

sábado, 23 de maio de 2009

Guia prático para missas negras.


Tenho chegado muito próximo do mal, todos os dias, e tem sido confortante. Não se refere a um sentimento do tipo spleen, de amor às sombras e à escuridão -porque isso diz respeito a uma felicidade em estar triste - mas sim a um fascínio mesmo pelo que sugere uma implosão do ponto de vista cool, sofisticado, sensato, MTV, Hello Kitty/Charlie Brown ou democrata das pessoas. Tenho desconfiado de toda bondade, e tido delírios eróticos a partir das trilhas de Wojciech Killar, bem como me apaixonado por Hannibal Lecter, em ser a sua nova Starling.

Esse mal de que me aproximo, é como uma permissão para ir muito fundo em paixões como o ódio, a ira, a inveja e a vingança em relação a quem me desagrada, a uma idéia que me contradiz, ao cheiro que alguém abandonou no meu banheiro. Por isso tenho tomado vinho negro acompanhado de pedaços muito mal passados de carne, e fazendo rivalizar, qual a qual, a beleza da maré cinza desses dias de chuva, à sua imbecil cor esmeralda dos dias de sol.

Dirigir, deitar na cama e esperar esse pequeno ódio chegar, é como um tipo de Nirvana satânico, que, como numa paralaxe, traz uma sensação de integração religiosa. Uma clamor pelos espíritos mais baixos, como se fossem meus companheiros de uma jornada em quadrinhos a la Constantine.

Música atonal, Wojciech Killar, até hardcore ou um hardtechno, as formas musicais de fazer vir esse estado emocional. Tenho desejado o mal de muitos, e quando ele retorna, aproveito ao máximo, porque o recebo bem, de braços abertos, com velas, felinos e copos d'água. E as preocupações sobre o que é sagrado se isolam, porque o meu sagrado fica encostado, à beira, fazendo de conta que está longe. E é ele quem está lá, no final das contas, como o positivo desse Um, como a causa do desejo, atribuindo-lhe esses ares de experiência religiosa.

Um certo estado psicopata, uma certa atitude "Bartleby", rancores que vêm para a minha força, exércícios pesados ao fim da tarde, movidos pelo desejo de matar, escalpelar e psicanalisar. Tenho dedicado tudo isso aos meus inimigos. E eles talvez nem saibam o meu nome, ou que lhes desejo a epópeia mais triste. Desejo mesmo, com uma sede psicótica, uma ânsia cerebral e articulada, um tom novelístico, ao lado de Madame Merle e Gilbert Osmond ("é assim que os vilões acabam?" - ela o pergunta lindamente).

E sei que esse desejo atinge aos meus inimigos, que os sabota passivamente, porque acredito no molecular, no invisível, e em canais de interação subliminares.

A todos que porventuram sentarem ao meu lado, e rivalizarem comigo - por favor - continuem sendo profundamente sexuais.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A noite de São Bartolomeu

Eu estou apaixonado por um protestante. E comecei a ler Schopenhauer ontem à tarde quando chovia. Não era um texto difícil, porque geralmente dizem que é difícil. Não era negativo ou profundo. Era somente um texto sobre eruditos. Que os verdadeiros eruditos nunca têm tempo para ensinar, e que para eles o conhecimento é um fim e não um meio. Mas o que importa, da reunião dos dois fatores, que se chocam irremediavelmente: Schopenhauer e o protestante, é que ambos apontam para a minha vida sem mim, aliás, para a minha vida, antes de mim. Eu não seria capaz, quando consciente e cheio de identidade, de amar um protestante do interior, Luterano, e que expressa palavras como Paraíso e Inferno, tão próximas uma da outra. Por outro lado, sempre evitei ler Schopenhauer, porque existem clichês em torno dele, que o apontam como perigoso e sombrio. Aprendi a amar Schopenhauer e o protestante, sem sofrimento, embora saiba que será inevitável. E descobri também, que sou um pouco sombrio, quando não questiono um sentimento que vai me deixar paralisado, que vai me afastar do tipo de vida que levo, e que vai fender minha cultura. A alma sombria dos poetas e dos protestantes me atraiu, e eu acredito na nobreza dessa escuridão, como se fazia no meio do século XIX. Acreditando que sejam nobres essas almas atormentadas, longe de seus espetaculares clichês. Amo Goethe e Freud, e raramente amei protestantes, mas hoje acabo de pensar que é possível. Não porque o mundo seja heterárquico ou fragmentado, mas porque recebi uma mensagem no celular, de um protestante, perguntado sobre o que poderia ser feito. - Sabendo de sua pouca familiaridade com universos como o dos revolucionários, dos hippies ou dos emocores, perguntei se poderia responder pessoalmente. E encomendarei sua alma ao demônio se resolver fender a sua cultura com palavras. Isso é possível.
Acredito que haja ciência por trás disso: chuva, um pouco de Schopenhauer e um protestante que aparece do nada, na casa de um amigo seu que você não vê a tempos. O resultado será um afeto estranho. E o afeto estranho é o tesouro e o embate fatal contra a habitual solução cínica.